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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sexta-feira, agosto 30, 2013

Transmisoginia

Neste post vou-me dedicar a reflectir sobre algo de que se começou a falar muito do outro lado do oceano, e que já vai dando os seus sinais também aqui pelo velho continente: transmisoginia.
Tal como aconteceu com a homofobia e a transfobia, surge agora um termo perfeito para definir a atitude, em especial dos homens, em relação às mulheres trans.
 
 

Mas antes de começar a minha dissertação, deixo aqui a definição da palavra-mãe retirada do Dicionário Online Priberam:

misoginia
(grego misogunía, -as)
s. f.
1. Aversão às mulheres.
2. Repulsão patológica pelas relações sexuais com mulheres.
 
É interessante perceber que ambos os significados se aplicam na perfeição a imensas situações que uma mulher trans, como eu, passa na sua vida, no seu dia-a-dia, mas com nuances que não deixam de ser relevantes.
 
A aversão a mulheres trans é praticamente universal, essencialmente entre os homens. Sejamos lindas, menos lindas, magras, gordas, praticamente todos eles se manifestam negativamente quando se fala sobre mulheres trans. Comentários do tipo "não passa de um homem com mamas", "já foi homem", "quer-se fazer passar por uma coisa que não é", são mais do que habituais, seja em conversas entre eles, seja com mulheres biológicas.
 
Meus caros, essa aversão ao facto de muitas mulheres trans possuírem um falo como vocês não vos fica nada bem, principalmente falando de homens adultos. Mas, além dos homens serem crianças a vida inteira, o famoso complexo do falo, e o complexo da castração perseguem-nos toda a vida. Porquê, meus caros? É que vocês já partem das premissas erradas: nós nunca fomos homens, nós não nos queremos fazer passar por algo que não somos, nós nascemos assim. Se vocês não conseguem lidar com esse facto, é problema vosso, não nosso.
 
E a transmisoginia começa assim, com pequenas coisas, com olhares de desdém, com bocas inicialmente veladas, e no seu limite transforma-se em transfobia, levando a casos que nem consigo qualificar, como o de Gisberta aqui em Portugal. E não nos esqueçamos de que foram adolescentes que a mataram. Adolescentes cheios de ódio, de aversão, a uma pessoa que não fez nada de mal na vida a não ser ser ela própria.
 
E todas nós, mulheres trans, somos afectadas por esta transmisoginia, por transfobia, e infelizmente, é provável que muitas de nós tenham o mesmo fim que Gisberta ou Luna (mulher trans assassinada em Lisboa, em 2008).
 
Ou seja, para se entender um pouco melhor o que é a transmisoginia, basta pensar que falamos num conceito não concretizado: há aversão, mas ainda não ultrapassou os limites da mente. Na transfobia já falamos em actos de violência física e psicológica, que na esmagadora maioria das vezes acaba na morte da mulher trans visada.
 
No ponto 2 do significado de misoginia, revela-se uma repulsão patológica por relações sexuais com mulheres. Todas nós sabemos que isto existe. Não implica que o homem seja homossexual, mas implica que tem nojo de sexo com mulheres. E na sua maioria, os homens têm nojo de fazer sexo com mulheres trans.
 
É o estarem eternamente entre o vírus e a bactéria. Ora desejam, ora lhes mete nojo. Afinal nós, pelas palavras deles, "não somos mulheres completas" (WTF???), e novamente, "somos homens com mamas", ou "falsas mulheres". E muitos acabam por desejar mas depois arrependem-se. Do tipo, "atrais-me muito, respeito-te muito (ahahah), mas não me podes dar o mesmo que as outras". Ora bem, eu entendo perfeitamente que há quem goste de vaginas, quem goste de pénis, e quem goste de ambos. Mas um discurso destes vindo de alguém que te provoca, te seduz, se diz sem preconceitos e aberto a tudo, e no fim trata-te desta forma??? Ah, um pormenor: ele nem sequer sabe se tens uma vagina ou um pénis, sabe apenas que és uma mulher trans.
 
Mas este discurso e tipo de atitude acontece com uma frequência impressionante. Já vivi e já ouvi estórias de transmisoginia 2 (chamemos-lhe assim) do arco da velha. E para evitar, ou tentar evitar este tipo de atitudes, digo sempre de início que não sou operada. Assim podem ser logo misóginos e preconceituosos como lhes apetecer.
 
Para terminar esta pequena dissertação, muitas de vocês devem estar a perguntar-se se transfobia e transmisoginia são coisas tão diferentes assim. Não. No fundo não são. São dois tipos de aversão, ódio a mulheres trans. Mas não tenho dúvidas de que ainda vamos ouvir falar muito deste "novo" tipo de misoginia.
 
Na fotografia: Candy Darling, uma das musas trans de Andy Warhol