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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

terça-feira, dezembro 17, 2013

Ser mulher trans é... Uma dissertação

É sempre complicado escrever. Seja sobre mim, sobre os outros, sobre um assunto que me toca. Principalmente porque é um exercício de concentração, de me despir em relação a quem lê, de me mostrar como sou e não como os outros gostariam ou esperariam que eu fosse. Ser uma mulher trans é apenas uma parte de mim. Uma parte de um todo. Não é ser trans que me define. Ser trans ajuda a definir-me, como o facto de ser inteligente, alegre, triste, racional, emotiva e por aí fora.

Já muito escrevi aqui sobre o estigma que todas as pessoas têm, principalmente aquelas que dão a cara. No caso das mulheres trans, como eu, é o estigma do "já foi homem", sendo que eu nunca fui homem. Eu nasci num corpo masculino, e a minha mente, o meu pensamento, o meu sentir, sempre foi oposto a isso. Sempre foi de mulher. Se existe uma alma feminina, eu possuo essa alma. Que nada tem a ver com um homem.

Não sou um estereótipo, e recuso liminarmente que me colem à figura tão rebuscada da mulher trans. Sou uma mulher como outra qualquer e isso aplica-se a tudo. Tem a ver com a minha forma de estar, com a minha forma de vestir, com aquilo que sou, e somos todas diferentes. O não me colar a essa figura estereotipada leva a que não seja vista como mulher. Devo ser vista como outra coisa qualquer, mas não como mulher. Por isso, no café me tratam ora como homem, ora como mulher, o que se repete em quase todo o lado, menos quando mostro a minha identificação e aí são obrigados a tratar-me como deviam: no feminino.



Fala-se muito de brandos costumes em Portugal. Mas, pelos vistos, esses brandos costumes só são aplicados a certas coisas. Porque, quando uma mulher como eu circula pela rua, os supostos brandos costumes não se revelam, muito antes pelo contrário. É uma sociedade cada vez mais hipócrita, falsa e egoísta. As pessoas tratam-te como lixo e não perdem uma oportunidade para te humilhar, mesmo aquelas que supostamente te deveriam tratar bem e com respeito. Ora aí está: respeito. É uma palavra que cada vez menos se põe em prática. Vai-se pelos preconceitos, não se respeita, e discrimina-se. É quase uma equação matemática.

Como aquela pessoa que tem "curiosidade científica" em me conhecer, como se eu fosse uma aberração, um bicho raro, algo tão estranho que quase não faz parte deste mundo. E é óbvio que deve ser isso que essa pessoa pensa. Não o assume, claro, porque isso não se diz, mas para ela não passo de uma freak que se deve ter arrependido de conhecer pessoalmente. Mas não é caso único. Quando não é pela "curiosidade científica" partem logo do princípio que tu és trabalhadora sexual e querem saber como é fazer sexo com uma mulher trans. Têm "curiosidade".

E, como se vê, não é apenas um estigma. São vários. Vários que nos perseguem ao longo de toda a vida e que, ou nos deixamos levar, ou lutamos contra isso. Confesso que a conversa parva das pessoas que acham que sabem o que eu sinto ou pelo que eu passei e passo já me mete nojo. Ninguém que não nasça como eu sabe avaliar minimamente o sofrimento porque passei e que se prolonga ao longo da vida, muito graças aos outros. Travar duas guerras em simultâneo é, no mínimo, cansativo. Temos que lutar contra os outros e há essa luta enorme sempre dentro de nós.

Mas elas, que são todas pessoas iluminadas, sabem perfeitamente aquilo que nós passamos. Já não há humanidade nas pessoas. Só egoísmo. Ninguém te ajuda se não ganhar nada com isso. Portanto, essas batalhas são solitárias, eternas, desgastantes. Estou cansada. E chego ao fim de 2013 com a sensação estranha que vivo em pleno século XIX, no mínimo. A mentalidade das pessoas está cada vez mais fechada, e isso sente-se e vê-se em tudo.

2013 foi um ano para esquecer e sinto que o que vem será igual ou pior. Resta-me esperar para ver. E esperar que a poeira assente.

Sou mulher e é assim que quero não só ser tratada, como vista. Habituem-se e, acima de tudo, respeitem-me.
 
---> Fotografia de Clara Azevedo (todos os direitos reservados). Retirada de sessão feita para a revista "Máxima" de Agosto de 2003.

1 Comments:

Blogger sérgio vitorino said...

Sim, 2013 foi para esquecer.Para ti, para mim, para muitas outras pessoas também. Um grande beijo. 2014 há-de ser nosso, que pior do que isto já é difícil :)

dezembro 20, 2013 12:46 da manhã  

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