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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, outubro 14, 2012

Despatologização e reflexões

No próximo Sábado, dia 20 de Outubro, muita gente por este mundo fora vai lutar pela despatologização da Transexualidade e das Identidades Trans. Este é o mote que me leva a fazer aqui uma breve reflexão de 41 anos de vida.

Nasci como nasci e como me sinto: mulher. A única coisa que não correspondia era o meu corpo. Os "especialistas" na matéria dão muitas explicações, mas nenhuma certeza, pois ninguém sabe (e duvido que venha a saber), porque algumas pessoas nascem como eu. O que é que eu acho? Que é um erro. Nasci errada. Nasci mulher com características físicas que não devia ter. Se cirurgias e hormonas te ajudam numa vida tão cheia de preconceito, discriminação e luta? Sim, ajudam, pelo menos aquelas que são "visíveis", como a mamoplastia no meu caso. Se a cirurgia de redesignação de sexo muda alguma coisa na tua vida? Para muitas pessoas muda, para mim duvido que mudasse. Não é pela minha genitália de nascença que eu me defino, nem nunca senti um desejo de a mudar, ou tive um sofrimento horrível com essa genitália, como muitas pessoas transexuais têm. A transexualidade, para mim, é uma questão de essência acima de tudo, que não joga com o resto. Mas isso não faz de mim, nem de ninguém, doente.

Tive uma vida triste, apesar de aparentar quase sempre ser uma pessoa alegre. Acho que era a maneira de dar a volta à questão de me sentir uma alien neste mundo de sociedades supostamente tão perfeitinhas e tão certinhas. Aquele é homem, aquela é mulher. Ok, e no meio disso tudo onde encaixo eu? Encaixo em mim, porque sou única e não sou igual ou parecida com nenhuma outra mulher, seja em que parte do mundo for. Lá por nunca me ter aceite plenamente e nunca ter aceite ter nascido como nasci, sempre senti que tinha que partilhar com outras pessoas o que se passava comigo. Podia ajudá-las, pensava eu. Vejo, hoje em dia, que foi partilha feita em vão. E a maior prova disso foi um curso livre dado nas instalações da UMAR em Lisboa, em que fui convidada a partilhar parte da minha vida. Fui acusada de me estar a "fazer de vítima", sendo que apenas relatei factos da minha vida. Não fiz juízos, não dei a minha opinião, apenas contei partes da minha vida real. É muito grave e de uma burrice e arrogância enorme, alguém que não me conhece me acusar numa Associação que apoia mulheres essas sim, vítimas, de me estar a fazer de vítima. E, pelos vistos, a opinião dessa senhora deve-se ter espalhado, pois certas reacções de pessoas que eu julgava que me respeitavam, mostraram o maior desrespeito por mim, pela minha história de vida e por quem sou.

Continua também a eterna dicotomia trans-orientação sexual. Meus caros leitores, como sabem, ou deviam saber, identidade de género nada tem a ver com orientação sexual. Identidade de género define-te como ser, como pessoa, orientação sexual define quem te atrai sexualmente. E aqui entram as etiquetas. Muito se tem falado em conversas mais privadas, da mania que as pessoas têm de querer definir e etiquetar tudo. Aquela é trans, mas gosta de mulheres, o outro é homem mas gosta de homens, aquele é um homem com mamas e por aí fora. Cada um é como é, por mais cliché que isto seja, e cada um gosta do que gosta. Não temos que estar a etiquetar tudo duma forma compulsiva, pois isso só destrói a essência da própria pessoa: deixa de ser um ser humano, para ser um monte de conjecturas, substantivos e adjectivos.

Quando fui em 2007 ao programa que Júlia Pinheiro fazia na altura na TVI, foi-nos questionado (às quatro convidadas trans) quais as nossas orientações sexuais. Cometi um erro. Defini-me como uma mulher transexual heterossexual. O erro não está na definição nem na verdade do que disse. Está que ninguém percebeu nada, nem a própria Júlia Pinheiro, que é uma querida. Por um lado, porque as pessoas partem do princípio que as trans são gays - não são, não são homens, são mulheres, por outro lado, porque a maioria das pessoas deveria e deve pensar ou supôr que sou lésbica ou bissexual, o que não corresponde de todo à verdade.

Resumindo, a minha pessoa é mulher, e gosto, sinto-me atraída, exclusivamente por homens. Pelos vistos há quem se sinto ofendido ou ofendida pessoalmente com isto, vá-se lá saber porquê, mas é assim, e assim terão que me aceitar. Como costumo dizer, quem não gosta, põe à borda do prato. Ou seja, retirando as etiquetas, é isso que eu sou. Chego aos 41 anos triste, infeliz, incompleta. Pensei que isto seria a crise dos 40 até que me apercebi que sempre me senti assim. E nada vai mudar isso. Agora a tal senhora e amigas já podem afirmar que eu me faço de vítima. Gostava era que elas tivessem nascido como eu nasci e tivessem passado por tudo o que passei até hoje, para ver a "endurance" delas. Pelo menos eu assumo as minhas tristezas e fraquezas, não me escondo acusando os outros.

Sei que não viverei muito mais e que o meu "trabalho" neste mundo que conheço está praticamente feito. Luto e lutarei até ao fim para que não nos considerem doentes seja mentais, seja de que tipo for, e que nos deixem ser, apenas isso. No fundo não queremos mais nada a não ser sermos nós sem preconceitos, discriminações e merdas do género. Não nos continuem a pôr mais uma etiqueta. Deixem-nos ser pessoas como as outras, que é isso que nós somos.

E no próximo dia 20 de Outubro, lutemos para que nos "despatologizem". 

1 Comments:

Blogger Alexandre said...

Olá Lara, sou Alexandre, FTM do Brasil e me identifiquei muito com sua história. Também já tive o titulo de vitimista, mas só quem vive o que vivemos para saber a verdade.
Um grande abraço.

Alexandre

outubro 15, 2012 2:17 da tarde  

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