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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

terça-feira, abril 08, 2014

Transfobia: reflexões sobre uma pandemia

trans·fo·bi·a
(trans[exual] + -fobia)
substantivo feminino
Repulsa ou preconceito contra o transexualismo ou os transexuais.

"transfobia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/transfobia [consultado em 08-04-2014].



Começo este post por colocar uma palavra que, apesar de não estar nos dicionários de Língua Portuguesa há muito tempo, faz parte da minha vida e de tanta gente como eu. Aliás, sempre fez parte, a partir do momento em que me assumi como mulher transexual.

Falar de transfobia daria para um livro daqueles bem calhamaços, pois são tantos os casos, desde o bullying transfóbico, à agressão verbal, física e, em grande parte dos casos em assassinato brutal.

Começou-se a falar de transfobia em Portugal há muito pouco tempo. Praticamente, só a partir do tristemente mediático caso de Gisberta Salce Júnior, mulher transexual selvaticamente torturada, espancada, violada e assassinada por um grupo de rapazes na cidade do Porto, em 2006 é que esta palavra foi entrando no nosso quotidiano.

Com o alastrar dos partidos de direita e, principalmente, de extrema-direita na Europa e um pouco por todo o mundo, a transfobia tem vindo a aumentar a olhos vistos. Numa sociedade que se desejaria em evolução, estamos perante um horrível vislumbre do passado. O ódio. Ódio contra tudo o que é supostamente diferente, e as mulheres trans são, sempre, um alvo a abater.

Basta ver o Brasil. País próspero, enorme, e em que não há um dia em que uma mulher trans não seja assassinada. Neste momento o Brasil encontra-se na frente da contabilidade de mortes por transfobia. Na frente pelas piores razões. Infelizmente. E esta transfobia existe também aqui, apenas suavizada pela aparente "aceitação" de um povo que sempre foi conhecido pelos seus "brandos costumes". Mas, cada vez mais, deixa de ser assim. Os costumes já não são brandos, e a transfobia e todo o tipo de preconceitos e discriminações aumenta e torna-se cada vez mais visível.

A suposta evolução humana chegou a um ponto em que todos os valores são postos em causa, sendo que aqueles que mais protegidos deveriam ser, não o são. Os nossos direitos, os direitos humanos. E os grupos sociais mais pequenos, como o caso da minoria trans, são os que mais discriminados são. Por outro lado, existe cada vez mais uma visibilidade trans que não existia há pouco tempo atrás. Se, por um lado a transfobia aumenta, por outro várias pessoas trans tornam-se alvo de atenção mediática pelos melhores motivos.

Seja no Brasil, realmente um país de contrastes e contradições, seja nos EUA, por exemplo. No Brasil, várias mulheres trans têm dado nas vistas a nível internacional como as modelos Lea T., Felipa Tavares e Carol Marra, actrizes trans começam a conquistar o mercado das novelas, apesar dos pequenos papeis, como Maria Clara Spinelli e Patrícia Araújo. Nos EUA, cada vez mais as mulheres trans se tornam visíveis e assumidas em todo o tipo de cargos, desde actrizes a modelos, passando por políticas, senadoras, professoras, etc.

Ou seja, apesar da transfobia reinante, muitas de nós conseguem alcançar lugares e patamares sociais como quaisquer outras mulheres. Obviamente que nenhuma delas teve um caminho cor-de-rosa, pois não há grande glamour na vida de uma mulher trans. Pelo menos na minha. Todas elas tiveram que batalhar o dobro do que uma mulher que o nasceu biologicamente para chegarem lá. E, curiosamente, muitas são tão sinceras nas entrevistas, como eu o sou, tanto no dia-a-dia, como naquilo que escrevo.

Confesso que admiro cada vez mais Laverne Cox, actriz norte-americana, que numa entrevista em que se falava da série em que ela participa, "Orange Is The New Black", assumiu que não se considera "passável" como mulher. Fiquei espantada e orgulhosa pela sua sinceridade. Nunca tinha lido ou visto uma entrevista com uma mulher trans em que alguma assumisse tal coisa. O que me colocou a questão do ser "passável" como mulher.

Esta expressão implica que nós temos que ser identificadas como mulheres biológicas quando olham para nós. Mas isto também implica que ser-se "passável" pode ser qualquer tipo dentro do imenso espectro de mulheres que nasceram mulheres que existe. E Laverne orgulha-se de ser uma mulher trans e mostra-nos que não temos que ter vergonha, que tentar ser algo que não somos, apenas para nos auto-identificarmos como mulheres. Somos como somos e assim, podemos chegar onde quisermos. Basta querermos e lutarmos por isso.

E, para ela e tantas mulheres trans negras numa América racista e xenófoba, deve ter sido com toda a certeza bem mais difícil do que para outras mulheres trans. O "passável" significa para nós, pessoas trans, algo muito difícil, mas também muito importante. Pelo menos sempre o foi para mim. Mas a vida, as experiências por que passamos, moldam-nos. Modificam-nos. E, se olham para mim e não vêem uma mulher, não é um problema meu, é um preconceito dessa pessoa. Sou como sou, "passável" ou não, e as pessoas têm que me aceitar e respeitar como sou.

Mas a transfobia também nos molda. Obriga-nos a ver o mundo e as pessoas com outros olhos. E a olhar por cima do ombro quando vamos na rua. A transfobia está a marcar cada vez mais as pessoas trans, a discriminação diária esgota qualquer um. E quando vivemos numa sociedade não-inclusiva, e em que mesmo a comunidade LGB não nos inclui como o deveria fazer, mais afastadas dessa sociedade e dessa comunidade nós ficamos.

Ser-se uma mulher transexual não é vergonha nenhuma. Ser-se transfóbico, isso sim, é.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Somos um grupo de risco, estejamos nós em que país seja.
Basta estarmos no sitio errado e à hora errada. Basta cruzar-mo-nos com a pessoa ou grupo de pessoas errado.
Enfim, além da pesadíssima luta que travamos dentro de nós (mulheres especiais) ainda vivemos com o medo ao nosso lado.
É isso que sinto e é isso que quero partilhar.

abril 10, 2014 7:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mesmo sendo Portugal um país de brandos costumes o perigo é eminente, basta estarmos no lugar errado à hora errada. Basta cruzar-mo-nos com a pessoa errada ou com o grupo errado.
Temos a infelicidade de conviver socialmente com pessoas que se importam mais com as diferenças dos outros.
Principalmente os homens, que nos vêm como uma ameaça (não sei de quê) e nos querem destruir pelo seu ego machista e desumano característico. Afinal, todas as fobias foram criadas pelos homens. Tudo o que não lhes é "familiar" é desprezível e inaceitável.

Somos mulheres especiais e isso faz com que o medo nos acompanhe diariamente.
É o que sinto e é o que quero partilhar.

abril 10, 2014 7:38 da tarde  

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