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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, março 02, 2014

Vulnerabilidade

A nossa própria vulnerabilidade surge-nos perante os olhos mais cedo ou mais tarde na vida. E, quando se vive praticamente duas vidas no espaço de uma, vemos isso com mais clareza. As coisas não acontecem só aos outros. Quem nós julgávamos ser uma coisa, provavelmente não o é. A eterna mutabilidade dos outros e de nós próprios é sempre motivo para uma reflexão.

Sempre me questionei sobre os meus instintos. Será que eu estava a sentir algo real ou apenas fruto da minha imaginação e desejo? Será que aquelas pessoas que eu julgava serem uma coisa afinal eram outra? Nós mudamos mesmo, ou vamo-nos revelando com o tempo? Todas estas questões e muitas mais rodopiavam e rodopiam na minha mente, na tentativa de encontrar respostas a questões que, mais do que existenciais, fazem parte do nosso crescimento interior e se reflectem na forma como nos damos aos outros.

As pessoas revelam-se com o tempo. Disso não tenho dúvidas. Há aquelas que em pouco mais de cinco minutos te apercebes de quem e como são, e há aquelas em que este trabalho de observação demora anos. Não quero simplificar aqui algo tão intenso e complexo como a alma humana, o ser-se humano, mas há pessoas mais simples de descodificar do que outras, isso todos sabemos. É uma experiência que toda a gente tem.

E, no caso de uma mulher trans, como eu, as pessoas revelam-se, algumas mudam mesmo, quando nós "supostamente transitamos" de um género para o outro. Há quem te aceite e respeite e se mantenha a teu lado, mas a esmagadora maioria desaparece e há até quem passe para o outro passeio quando se vai cruzar contigo na rua. E a noção real de que a tua vida muda começa aqui. Tens um processo interno a decorrer, mas na prática, a atitude dos outros em relação a ti faz-te ver a realidade tal e qual como ela é.

A mim fez-me ver quem eram as pessoas realmente importantes para mim, na minha vida real. Algumas acompanharam a minha transição, outras surgiram durante, poucas vieram depois. É como se fôssemos leprosas nos tempos do antigamente. Não me interessa que discordem, pois a realidade é mesmo esta. E, pior, pessoas que deveriam saber perfeitamente pelo que estamos a passar, outras pessoas trans, essas são capazes de nos discriminar, humilhar e maltratar ainda mais do que os outros.
 
 

Fala-se muito de uma suposta "comunidade trans". Não existe em Portugal e duvido que algum dia exista. Pois parece-me que, no caso das mulheres trans, estão todas mais preocupadas em ser "mais femininas" e "mais mulheres" do que as outras, indo buscar os estereótipos e o exacerbamento do que é ser-se mulher e do que é aparentar-se com uma mulher. Sinceramente nunca consegui entender isto, este tipo de atitude muito bem. Se uma mulher trans é operada diz que é mulher ou mais mulher do que as mulheres trans que não o são? Chego, então, à conclusão que ser-se mulher é ter-se genitais femininos e ter um look feminino. Ser-se não passa praticamente nada pelo que se sente e se sabe que se é. Passa por aparências quase exclusivamente.

Visto por este ponto de vista, então eu não sou mulher como estas são. Eu não as discrimino, como não discrimino ninguém, mas sou alvo da discriminação delas. O respeito que deveria haver, o espírito de comunidade que deveria existir não há, pura e simplesmente porque umas discriminam as outras! Caramba, apesar de todas termos experiências de vida diferentes, confesso que não entendo este tipo de atitudes, que muitas vezes, são de uma falta de respeito, de educação, de formação, que a mim me choca.

Chego à conclusão que o ser humano não consegue viver sem competição. Diariamente tem que se competir com os outros para sermos nós próprios. E, realmente as pessoas mudam. Regra-geral para pior. Mas esta é apenas a minha opinião baseada na minha experiência de vida. As pessoas, por razões que muitas vezes desconhecemos, passam de nos tratar bem a tratar-nos abaixo de cão. E inventam supostos factos sobre a nossa vida que parecem estórias mirabolantes saídas de um filme. E fazem-nos mal, prejudicam-nos, e nós não podemos fazer nada. Nada a não ser fecharmo-nos.

As coisas acontecem todas na nossa vida. Essa mania que as pessoas têm que tudo só acontece aos outros é uma forma de tentarem vencer o terrível medo que isso lhes aconteça também a elas. Cheguei a uma fase na minha vida em que já posso fazer um pequeno balanço. Aquilo que consideramos e sabemos ser mau está aqui ao nosso lado, como está ao lado dos outros. Aquela sensação de invencibilidade, de super-poderes que eu tinha até há uns anos, já não a tenho. Sou vulnerável, sinto-me vulnerável. Porque nós sentimos tudo na vida, mesmo que o tentemos negar. E o que sentimos mais é o que dói. Precisamente porque é a dor que nos marca mais.

Seja a dor de perder alguém, seja a dor de estar doente, seja a dor da solidão. Estou vulnerável, mas na realidade sempre o fui. Não tinha era sequer a noção disso. Mas a vida, com os factos a decorrerem fez-me ver que eu era como os outros em tudo, até na dor. Diferente, mas igual. Porque toda a gente sente a dor. E, infelizmente, a vida é mais feita de dor do que de alegria, ou momentos de felicidade.

E esta vulnerabilidade fez-me mudar. Revelo-me apenas a quem quero. Mostro apenas aquilo que desejo. Mas a Lara que escreve estas linhas é já muito diferente da Lara que escrevia há quatro, cinco anos atrás num outro blog qualquer. Estou mais consciente do que me rodeia. Tento dar mais importância ao que realmente a tem. Já não me deslumbro por nada. Porque, tal como referi acima, as aparências não são nada. Não se consegue viver de aparências se queremos ser verdadeiros connosco próprios.

Não descobri nenhuma verdade. Cresci e descobri mais questões. Deve ser a isto que chamam de maturidade.
 
---> Make Up Artist, Cabelos e Fotografia: Pedro Miguel Silva

1 Comments:

Anonymous catsue@mail.md said...

grande mulher e sempre senti que eras grande mulher e pessoa

março 02, 2014 2:59 da tarde  

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