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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sábado, maio 02, 2009

O meu pai


O meu pai é uma pessoa de temperamento difícil, teimoso, cabeça-dura, mas é alguém que, apesar de nunca termos mantido um relcionamento muito próximo, eu amo. Apesar de tudo e no fim de contas, é meu pai e mantemos um laço emocional, apesar de distante.

Ele sempre me renegou e eu não sabia porquê. Não entendia, na altura. Tratava-me de uma forma diferente da do meu irmão. Ele, que afirmava perante toda a gente que nunca tinha tocado com um dedo num filho, bateu-me e maltratou-me várias vezes durante a minha infância e adolescência.

Dois casos marcantes para mim.
O primeiro foi num dia de calor, já não sei se Primavera ou Verão. Eu precisava de umas sandálias ou uns ténis, um calçado mais leve. Depois de falar com a minha mãe, escolhi umas sandálias simples, mas andróginas. Mal ele chegou a casa do trabalho, levei logo uma estalada, sem saber porquê (devia ter uns 10 anos na altura). De seguida, levou-me escada abaixo sempre a dar-me murros na cabeça e pontapés com toda a força e arrastou-me assim, pelo meio das pessoas, até chegarmos à sapataria, já estava eu lavada em lágrimas e a pedir-lhe que parasse. Obrigou-me a sentar, a calçar umas sandálias de homem horríveis para experimentar, e depois obrigou-me a levá-las (e já calçadas!) até casa, sempre a bater-me. Eu chorava tanto que já nem via o caminho. Nem ouvia já as ofensas que ele me dizia, nem sentia os pontapés no meu rabo, nem os murros na nuca. Conseguiu à custa de muita violência o que queria, achou ele. Nunca mais calcei aquelas sandálias.

Eu devia ter uns 15 anos. Queria ir sair com uns amigos, mas apenas para tomar café e passear ali na zona. Disse-me literalmente que não. Eu retorqui que "não" não é uma razão. O que eu fui dizer! Levantou-se do sofá disparado na minha direcção, deitou-me uma mão ao pescoço, o que me provocou uma dor horrível, e deu-me um pontapé com toda a força na zona da virilha/genitália. A dor foi tão grande que ia desmaiando. Cheia de vómitos da dor fui para a casa-de-banho e fiquei com duas marcas físicas. Um arranhão enorme do lado do pescoço que até fez sangue, e um vergão na virilha, que se prolongava até aos genitais, do lado esquerdo. A pior e mais forte marca com que fiquei, foi aquela que me dizia quem eu era e a negação e ódio permanentes que ele me tinha. Sei que chorei muito, mas depois passou.

Passou tudo, como passa sempre. Mas eu não me esqueço por mais que os anos passem. Tenho noção de que ele esperava de mim mais um "macho-latino" como ele era quando novo, mas teve azar. Nem o meu irmão está nesse patamar absolutamente ridículo, apesar de se ter casado e de lhe ter dado a neta que ele tanto queria. Mas eu... Óh, eu... Eu fui a total desilusão, o aborto que a minha mãe devia ter feito. Nasci para o envergonhar, para ele ver que não acontece só aos outros com quem ele gozava. Teve uma filha Transexual. Que, para ele, é pior que ser-se gay, porque aí sempre se é homem. Mas a vida é assim. Ele sofre, sofre muito com tudo isto. Mas nunca se lembrou que quem sofre mais sou eu e sempre fui. Estou com ele no sofrimento e, apesar de tudo, amo-o. Afinal, como diria o outro, "pai é pai".

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá novamente, minha querida. Este post é forte e eu não consigo deixar um comentário menos forte...

Desculpa, mas vou ter de ser sincero:

Realmente, para passar tudo o que passaste, deves mesmo ter um amor incondicional pelo teu pai que, apesar dos abusos e da força que impôs em ti, ainda continuas a amá-lo e a ver nele uma referência ou um tipo de protecção.

Mas, por outro por outro lado, eu sempre fui apologista de que a nossa família não tem de ser a que vem do nosso sangue, mas sim aquela que vem das emoções e dos sentimentos que se partilham entre si.

Acredita que sei que deve ser-te difícil encarar o teu pai como uma pessoa que apenas te magoa, mas... Se sempre foi assim e será, porque te dás ao trabalho? Falar é fácil, eu sei, mas... Lara, pelo bem da tua sanidade mental, parte para "outra". Guarda apenas as boas recordações que terás dele e foca-te unicamente nelas. Não tentes novamente viver algo que sabes que nunca poderá ser vivido.

Infelizmente, o teu pai é das pessoas que parou no tempo, na vida e no mundo, e não conseguiu acompanhar a evolução da espécie. Pior ainda, não conseguiu compreender os teus sentimentos, as tuas emoções e a tua condição enquanto ser humano. Tem-te desrespeitado nesse sentido e isso é uma pena que assim seja.

Mas não podemos obrigar os outros a ver coisas que não querem, ou desconhecem, ou têm apenas medo de querer vir a conhecer por pensar que são contagiosas ou que são um bicho de sete cabeças...

Um beijo grande de força, e que esse desabafo teu tenha servido, pelo menos, para matar alguns dos demónios dentro da cabeça (que eu sei que todos temos).

**

maio 02, 2009 3:35 da tarde  
Blogger peter_pina said...

sabes, eu desisti do meu...
"olá tas bom, adeus, beijinhus"
e são as conversas mais profundas k temos!
já perdi a força para lhe explikar e para o tenar conquistar!
beijinhus

maio 02, 2009 4:25 da tarde  
Blogger Unknown said...

Penso ser natural o ter-se amor aos pais. Agora o ter-se amor não implica de modo nenhum que se veja os progenitores em conjunto ou separado como referência. São coisas distintas. E, como em tudo na vida, não há nada que seja só mau ou só bom. Portanto o pai não será somente uma pessoa que apenas magoa. Yin e Yang.

maio 03, 2009 9:16 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Lara

Sou um assíduo visitante do teu Blog desde há muito (ainda estavas a trabalhar no jornal), e procuro ler tudo o que escreves, e tens escrito sobre a tua família, em especial os teus pais e a tua sobrinha.

Num comentário que fiz quando do aniversário da tua sobrinha disse-te ”A tua sobrinha um dia saberá reconhecer quem está a agir de modo errado, por enquanto, ainda só tem 10 anos!!! “ ,estou convicto que sim, pertence a uma nova geração e um dia saberá diferenciar os comportamentos de cada um.

Agora o teu pai, mudança de comportamento não se espera, é uma geração que vive a vida do mesmo modo que foi educado e que cresceu, em que nada evoluiu e certamente já não irá acontecer. Ela a ti, não te “perdoará” por seres que és, mas pelas tuas palavras, depreendo que lhe perdoas por ele ser quem tem sido!

É um gesto muito nobre da tua parte, revela a pessoa digna que és, revela que pode existir ressentimentos, mas não existe aversão, existe alguém com sentimentos fortes!

Um beijo amigo

maio 03, 2009 10:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

nada existe por si... tudo tem um passado que formou a sua realidade. quando alterações surgem é certo que nem sempre serão compreendidas ou aceites.
são duas realidades tão diferentes
que se defrontam.
lugar comum que nos custa a aceitar
há que olhar em frente e fomentar uma sociedade com diversidade.
liberdade palavra tão linda mas ainda tão amordaçada.
o erro não está nos nossos pais mas na sua herança educacional.
nós somos como somos e os outros são como... são.

maio 05, 2009 11:07 da manhã  
Blogger ♥ Guida said...

Pai é pai mas o teu é uma cabeça dura, caraças!

Aborto? Ó mulher, não digas isso :| Preferia que fosses criminosa, não?

És uma filha linda e ele devia orgulhar-se disso!


Beijinho

julho 19, 2009 1:22 da manhã  

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