Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

A vida flui como um rio nos meus olhos

Acho piada a como a vida nos vai pregando partidas. Há pessoas que entram e saem, sempre, ao longo dela, e nós, muitas vezes, ficamos a olhar quase que sem uma reacção do tipo "espera", "não vás", "que aconteceu?".

Curioso é ver como tudo tem uma fluidez alcalina, passamos pela vida dos outros sempre com marcas de ambas as partes, mas muitas vezes, só temos consciência disso anos e anos depois. Encolhemos os ombros e pensamos "bem, cada um tem a sua vida" e/ou "as circunstâncias da vida separaram-nos". Pode parecer lógico mas não é, e de racional não tem nada.

Ora, se eu sou amiga de alguém que também é meu amigo, porque é que por qualquer circunstância da vida, como referi o lugar-comum, essa pessoa desaparece de vez, sem deixar rasto? O mesmo se aplica aos namorados, aos irmãos e até aos pais. Parece que seguimos em frente (ou para outro lado qualquer) quase sem noção da importância de emoções, sentimentos e tantas trocas que houve com tanta gente.

Não me considero saudosista, mas tenho pena de ter ficado parada a olhar quando algumas pessoas sairam da minha vida. Como não acredito em coincidências sei que essas pessoas passaram pela minha vida porque tinham que passar, mas não sei é o porquê de terem saído. Será que sou mais uma que anda à procura do "meaning of life" seja lá o que isso for? Claro que sou. Sou-o como todos nós somos. Toda a gente procura o sentido da vida de uma forma ou de outra, num olhar ou num odor, numa luz ou numa sombra.

O meu sentido da vida não sei qual é. Ninguém sabe. Por isso nos agarramos a tanta coisa e perdemos outra tanta, como referi atrás. Sei apenas que nasci menina, sempre me senti assim, desde que me lembro, e que é estranho que os outros nem sempre me tenham visto assim. De menina passei a adolescente, de adolescente a mulher, sempre a sentir-me estranha. Mas houve sempre alguém que esteve lá para me indicar algum caminho. Fui-o trilhando e agora tenho quase 40 anos. Mas estou tão perdida como quando era uma menina de 5, 6 anos.

Sei que isto não se passa por acaso. Nada é fruto do acaso. Até aquilo que mais se banaliza hoje em dia, como o sexo, não é fruto do acaso. Porquê com este e não com aquele? Porquê amanhã e não hoje? Porquê incluído numa relação e não espontâneo? Mas o sexo nunca é só sexo. Há sempre mais qualquer coisa, como em tudo na vida. Há troca, há partilha, há intimidade da mais pura, mesmo quando nos sentimos horríveis e sujas no dia a seguir. Olha, se calhar foi com este porque tinha que ser! Com isto quero afirmar que apesar de não acreditar em coincidências e que tudo acontece por uma razão, acredito igualmente no nosso livre-arbítrio. Nós podemos sempre, mas sempre escolher ir por aí ou não. Se tivéssemos ido pelo outro lado, provavelmente o resultado seria diferente, mas será que isso realmente importa?

Será que o que realmente importa na vida não são precisamente as experiências que retiramos das nossas escolhas? As impressões indeléveis de quem passou e passa por nós? Importa é não nos esquecermos, sem ser saudosistas ou masoquistas, ou lamechas, que tudo isso foi importante, para o bom e para o mau. As coisas mudam, as pessoas revelam-se. Esta lição fui-a tirando ao longo da minha vida, principalmente desde que me assumi como mulher transexual.
Quando temos consciência de nós e temos a noção do que se está a passar, os outros ressentem-se. E revelam-se. Exigem algo que nós não queremos dar, como continuarmos com a fantochada de sermos algo que nunca fomos. E isso cansa. E eu cansei-me. E cansei-me dessas pessoas. E segui o meu rumo. E só me arrependo de não ter sido mais cedo, bem mais cedo. Guardei e guardo tudo o que senti de bom e de mau, cheiros intensos, sabores amargos. E guardo tudo isso porque, em última instância, tudo isso faz parte de mim. E como diria a outra "I am what I am".