Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

terça-feira, novembro 11, 2014

A luz do epitáfio

Há várias encruzilhadas na tua vida. Mas há sempre aquela, a tal, em que, ou segues em frente e deixas para trás o que ficou, custe o que custar, ou te deixas levar pela maré e morres juntamente com o teu passado.

Ultimamente tenho sido exposta a situações e acontecimentos que nunca pensei que iria ou teria que passar. Sei que aquelas máximas de "a vida é um eterno aprender" e que "o passado passou, ficou para trás" são, muitas vezes, diminuídas por nós, mas a realidade mostrou-me que é mesmo assim.

Sempre tentei guardar do passado o melhor e esquecer o pior. Lamber as minhas feridas, chorar, descabelar-me toda, e depois seguir em frente, com mais ou menos marcas do que tinha passado. Mas há uma altura na nossa vida em que a paz connosco e com o que nos rodeia é necessária, pois ninguém aguenta uma vida inteira de altos e baixos.

Paz essa que eu não posso ter. Porque não ma deixam ter. Porque, provavelmente, não nasci para a ter, ou enfiei o pé na argola no meio do caminho e não a vou conseguir ter nunca. Sendo assim, cheguei à última grande encruzilhada. E o que vou fazer agora?

Como mulher trans tenho que ter a consciência plena de que toda a espécie de discriminação que tenho sofrido vai continuar e, em alguns casos, piorar. Tenho que ter consciência também que já não tenho idade para ser tantas coisas que sonhei para mim. Porque essas coisas não são para mim. São para mulheres cisgénero, principalmente as que têm cunhas e dinheiro. E eu não tenho nem uma coisa nem outra.

Agora resta-me decidir se me vou com o passado que, infelizmente, se mantém demasiado presente na minha vida, não porque eu o queira ou deseje, mas porque mo impingem o tempo todo, ou tento seguir em frente e deixo (quase) tudo para trás. Uma das coisas que também entra aqui são as maleitas que começam a surgir, como uma doença que tenho nos olhos agora.

Se, antigamente, o dia de amanhã era incerto para mim, agora começa logo no dia de hoje. Não me dão trabalho porque sou uma mulher trans, quarentona, que não "trabalha" há muitos anos. E sou nova demais para a reforma e velha demais para trabalhar. Para piorar e acentuar esta situação, vem a doença ocular, que ainda não sei até que ponto me afectou ou irá ainda afectar.

Se não fosse a ajuda das poucas pessoas amigas que tenho, neste momento já não seria eu que estaria aqui a escrever-vos este post, mas muito provavelmente outra pessoa a escrever o meu epitáfio.
 
 

Somos ensinadas socialmente que há sempre uma saída, uma luz que está acesa lá ao fundo e que nós teimamos em não ver. Mas isto não é verdade. Não há sempre aquela luz. Saída há sempre. Nem que seja a morte, algo de que ninguém gosta de falar, porque significa o nosso suposto fim enquanto este corpo e ou passamos para outro nível, ou é o fim de tudo. Respeito a opinião de toda a gente, as crenças e credos. Mas mantenho para mim a minha opinião sobre a morte.

A encruzilhada está aí e eu vou ter que decidir qual dos caminhos do ramal vou seguir. Há muita coisa bonita neste mundo, coisas de uma onírica beleza. Pessoas que te tocam, que te fazem sentir alguém, quando o que sentes na rua e entre os outros é que não és ninguém. Mas também há o cansaço enorme de passares uma vida inteira a lutar contra a maré e pouco ou nada teres conseguido com isso.

Eu nada tenho de meu, a não ser o meu corpo e a minha mente. Mente essa que me faz estar a escrever-vos desta forma tão pessoal, como sempre, ou ainda mais. Não para desanimar alguém ou fazer desistir alguém dos seus sonhos, mas precisamente para alertar quem o quiser ser de que o caminho tem espinhos demasiado afiados para conseguirmos passar sem uma ferida e de que qualquer pessoa, seja transgénero ou cisgénero, pode chegar ao ponto a que eu cheguei.

Entendam isto como uma experiência de vida. De uma vida que não correu bem. Que não correu, ponto. Não façam disto um exemplo (que horror) ou uma inevitabilidade da vida. Seja como for, é muito bom para mim saber que toquei de uma forma positiva algumas pessoas ao longo da minha vida e através deste blog. E isso para mim basta. Bem-haja quem sempre veio por bem.