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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, março 17, 2013

Comunicado do Grupo Transexual Portugal sobre o debate da lei de mudança de sexo no programa Você na TV


O Grupo Transexual Portugal, sobre o debate sobre lei de mudança de sexo no programa Você na TV emitido pela TVI no dia 14-03-2013, considera pertinentes os seguintes comentários:

A lei n.º 7/2011 de 15 de Março que cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil foi pensada para facilitar a inserção social e económica das pessoas transexuais enquanto duram os longos e morosos processos clínicos. Com efeito, poucos são os processos que duram dois anos, a maior parte durando mais de três e cinco anos. Durante estes períodos, a pessoa transexual é obrigada a viver permanentemente como o género ditado pela sua Identidade de Género. Obviamente que isto cria um sem número de discriminações em todos os sectores da sociedade. Procurar trabalho transforma-se numa miragem, a escolaridade é muitas vezes abandonada devido ao assédio a que estas pessoas estão sujeitas, tratar de documentação legal é um pesadelo quando chamam pelo nome de baptismo e a apresentação não condiz, e mais um sem número de problemas. Quando confrontados com estes problemas, os “especialistas” que “tratam” destes casos ou ficam a olhar sem nada dizer, ou mudam de assunto, não se preocupando minimamente com estes problemas.

Assim, a lei foi pensada para facilitar o acesso à escolaridade, ao trabalho e às inúmeras situações embaraçosas para estas pessoas, não o sendo para a restante população.

Posto isto, o GTP considera deplorável e transfóbica ao mais alto nível a declaração do Sr. Abel Matos Santos de que, por a comunidade transexual ser “residual”, segundo as suas próprias palavras, não devia ser alvo de uma lei, como se por sermos poucos deixássemos de ter direitos como a restante população.

Contestamos veementemente a afirmação de que a transexualidade é uma patologia. Não o é, embora ainda seja assim considerada pelos mais retrógrados elementos sociais.

A acusação de que os problemas que o país presentemente atravessa se devem em grande parte ao casamento gay, a esta lei, à lei do aborto, etc, pela advogada Isilda Pegado nem merece qualquer comentário de tão ridícula e preconceituosa que é.

Também a afirmação de que a lei permite várias mudanças de sexo na documentação é falsa. Para que isso acontecesse, seria necessário um mau acompanhamento clínico, pois para cada mudança seria necessário uma declaração assinada por um médico e um psicólogo. Sempre. Além desta afirmação nada mais servir do que para assustar a população com “bichos papões”. Não cabe na cabeça de ninguém que uma pessoa passe a sua vida a alterar o seu género. Somente uma mente perversa poderia pensar nestes moldes. Mas seria bom para o Estado que assim acontecesse, a 200 euros cada alteração, nestes tempos de crise.

A afirmação de que qualquer médico e qualquer psicólogo podem assinar a declaração foi anulada pela exigência destes pertencerem a uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica, exigência essa que foram os seus próprios comparsas que forçaram esta inclusão na lei. E na altura não exigiram qualquer esclarecimento na lei sobre a composição da mesma equipa.

A declaração que uma pessoa, ao abrigo da lei, mudou de sexo e fez uma cirurgia e que depois se arrependeu só pode ser totalmente falsa. Qualquer cirurgia deste tipo tem de ser autorizada pela Ordem dos Médicos. Por sua vez a OM só a autoriza mediante dois relatórios independentes que atestem a transexualidade. A lei por si só não autoriza qualquer tipo de cirurgia. Logo a pessoa só pode ter sido mal acompanhada por ambas as equipas que a avaliaram. A culpa não é da lei nem de modo algum lhe pode ser imputada, como este Sr. Abel o fez.

A recusa em aceitar que as pessoas transexuais sofrem antes e durante o processo, que muitas vezes é extremamente demorado, precisamente por causa dos preconceitos existentes demonstra uma total falta de sensibilidade para com os problemas destas pessoas, fazendo duvidar da capacidade que esta pessoa tem para acompanhar estes processos.

A declaração de que “houve um cirurgião plástico que teve a ideia feliz de organizar uma lista de pessoas que ele entende” depois imediatamente alterada para “e os chefes de serviço entendem” vem confirmar as acusações que o GTP tem feito sobre a dita lista, que foi feita pelo Dr. Décio Ferreira, não para ajudar as pessoas trans, como seria desejável, mas para perpetuar o domínio que certos “profissionais” detêm sobre os processos, de modo a que continuem a poder desrespeitar as normas internacionais ao bel prazer dos seus preconceitos.

A declaração de que “há pessoas que mudam de sexo sem fazer nenhum tipo de cirurgia” demonstra bem o preconceito existente em quem se arvora de “especialista” por tratar (mal, obviamente) destes casos desde 1998. Tanto no ICD (1), documento emitido pela Organização Mundial de Saúde, como no DSM (2), a “Bíblia” dos psiquiatras emitida pela Associação Americana de Psiquiatria, vem referido especificamente que existem transexuais que não desejam submeter-se a cirurgias e/ou não refere a obrigatoriedade deste desejo para se ser transexual, facto que é ignorado muito convenientemente por muitos “especialistas” que tratam destes casos, de forma a perpetuarem os seus próprios preconceitos, como neste caso. Para além disto, a WPATH (World Professional Organization for Transgender Health), a que muitos destes “profissionais” se orgulham de pertencer, como o Dr. Décio, nos seus Standards of Care, refere que “Being Transsexual, Transgender,or Gender Nonconforming Is a Matter of Diversity, Not Pathology”.

A existirem pessoas que não fizeram nada (cirurgias) e que, segundo a opinião do Sr. Abel, continuam homens ou mulheres, demonstra uma total incompreensão do que é a Identidade de Género, além de um desrespeito pela IG de cada um. Para quem se arvora como “expert” na matéria, esta posição é um pouco incongruente, visto a transexualidade estar directamente ligada à Identidade de Género.

A conversa dos “falsos transexuais”, tão do agrado do Dr. Décio e seus sequazes, está aqui bem demonstrada. Para estes “profissionais” não é a identidade de género da pessoa que conta, mas sim ter um pénis ou uma vagina, querendo eles forçar cirurgias a quem não as deseja para que possam usufruir livremente e viver de acordo com a sua identidade de género. Para estes “profissionais” o que interessa é vaginas ou pénis.

A prepotência demonstrada neste debate, em que a posição ficou bem esclarecida “Eu é que sei, eu é que tenho razão, ou fazem como eu quero e digo ou não me ouvem”.
é demonstrativa de uma intolerância para quem não compartilha da sua opinião/preconceito. Depois de dizer inúmeras vezes que a lei prejudica as pessoas transexuais, continua-se sem se saber onde é que a lei não o faz, é uma frase vazia, sem sentido nem explicação que só serve para enganar os incautos.

Em relação ao Sr. Presidente Cavaco Silva, ou foi mal informado por quem de direito ou obviamente partilha das opiniões transfóbicas demonstradas aqui. Pareceres são escritos, não com bases científicas, mas com o preconceito existente em quem o faz. Prova disso é os pareceres de que o casamento igualitário seria inconstitucional, segundo alguns, quando era óbvio até para quem é leigo na matéria que não o era. Portanto, pareceres a favor e contra há os que se quiser.

Por tudo isto, a presença deste “profissional” e as suas posições são um descrédito para a sua classe, mais, demonstra um total desrespeito por quem acompanha, querendo impôr-lhes o seu modo de pensar, o que necessariamente vai levar a avaliações mal feitas baseadas não nos critérios internacionais mas nos seus preconceitos. Uma pessoa assim nunca deveria estar a tratar de casos de transexualidade, não demonstra ter competência para o efeito.

Por estes motivos o GTP repudia totalmente esta tentativa de reformular ou anular uma lei que beneficia as pessoas transexuais e aconselha qualquer pessoa trans que inicie processo em Santa Maria a, no caso de ir parar a este senhor, exigir outro psicólogo. É um direito.

(1) A desire to live and be accepted as a member of the opposite sex, usually accompanied by a sense of discomfort with, or inappropriateness of, one's anatomic sex, and a wish to have surgery and hormonal treatment to make one's body as congruent as possible with one's preferred sex.

(2) There are two components of Gender Identity Disorder, both of which must be present to make the diagnosis. Thee must be evidence of a strong and persistent cross-gender identification, which is the desire to be, or the insistence that one is of the other sex (Criteria A). This cross-gender identification must not merely be a desire for any perceived cultural advantages of being the other sex. there must also be evidence of persistent discomfort about one’s assigned sex or a sense of inappropriateness in the gender role of that sex (Criteria B).