Lara's dreaming

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Localização: Lisboa, Portugal

Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, janeiro 26, 2014

Despida

Começo este post por agradecer a três pessoas que, com a sua força, carinho, amizade e apoio, além do exemplo que sempre me deram, me fizeram voltar a escrever. Cristina, Anabela e Fabíola. A todas elas agradeço tantas lições do que é sobreviver, viver e sorrir, mesmo quando as lágrimas nos escorrem pelo rosto. Muito obrigada a todas.

Não vou escrever sobre ser mulher. Não se é mulher, aprende-se, como escreveu e afirmou Simone de Beauvoir. Eu aprendi a ser mulher, como todas nós. Sou mulher, feminista, activista e muito mais. Sou tudo isto, mas o que me define é o que sou para ti. Tu é que me defines enquanto aquilo que és para mim, com o que me ensinas, com o que me dizes, com o que me escreves. Eu sou um espelho de ti e tu reflectes-te em mim.

A minha família são aquelas pessoas que me amam, me aceitam e respeitam como sou, não aquelas que dizem que o são. Muito menos aquelas que trocam comigo o sangue que lhes corre nas veias. Essas são a suposta família legal e oficial. Mas não são a minha família. Apesar do cliché, a família de sangue não a escolhemos, a nossa verdadeira família, sim, somos nós que a escolhemos e vice-versa. Família, para mim, não são aqueles que se dizem ser e que nem sequer me conhecem, não estão sequer interessados, não me aceitam, nunca aceitaram, não me respeitam, nem nunca respeitaram. Esses não são a minha família. Na realidade, não me são nada.

Aqueles que me tocam de alguma forma, que me fazem sentir que vale a pena estar viva, esses sim, são a minha família. São afectos, são cores, são odores, são toques. É a festa da tua mão na minha, o riso quando eu digo um disparate, ou apenas porque sim. É o olhar e saber o que pensas. É o silêncio que se faz palavras. É estar e saber que estás ali. São tantas coisas e tudo tão simples. Tudo tão válido para eu ser quem sou. Este universo que partilho com algumas pessoas faz delas alguém para mim, e eu alguém para elas. Este é o meu universo onde a tua alma entra.

 

Aprendi a ser mulher com tanta coisa que passei, com o meu corpo em convulsões e a minha mente noutro mundo. Colhi aqui e ali pequenas coisas que juntei num complexo puzzle que sou eu. Muita gente passou pela minha vida. Muita já foi, outra tanta ficou. Mas se não fossem todas estas pessoas, eu nunca seria quem sou. Sem vergonha do que sou, a saber quem sou, a saber que sou um bocadinho de todas estas pessoas, da experiência delas, do universo delas, que me fez aprender a ser eu.

Ser-se assim é ser-se livre. Podem tentar fazer o que quiserem, que eu serei sempre eu. Humilhar-me, conspurcar-me, rebaixar-me. Mas na minha mente, na minha alma não entram. Porque essa é minha. Essa sou eu. E aí não entram.

Quando eu morrer, não morro. É este corpo que morre. Se a minha alma fica algures, se o meu espírito voa para outro lado não sei, não quero saber. Basta o meu amor ficar na memória de alguém, que eu não vou morrer. É apenas esta casca que se desvanece. O brilho do meu olhar ficará eterno no meio das estrelas. Eu sei que é assim. Por isso não tenho medo de morrer.

Aprendi a ser assim. Nasci sozinha e vou morrer sozinha. Mas o meu amor ficará cá. E é isso que me importa, que me dá alento, que me faz seguir em frente, mesmo quando me cortam a carne e me esmagam o coração. Com as lições que todas estas pessoas me deram sei andar. Já não gatinho. O que é o mais difícil neste mundo. Obrigada a toda a minha verdadeira família. Sem vocês nunca teria conseguido.

Sem vocês não tinha aprendido a ser a mulher que sou. Aquela que é fraca e forte. Sensível e bruta. Bonita e feia. Aquela dos opostos e compostos que vocês conhecem. Com este universo tão inconfundível e complexo que é, afinal, tão simples: é ser a Lara.
 
 
---> Fotografia: Inês Torres da Silva

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Luto.

2014 poderia ter começado da melhor forma, mas, para variar neste país pequenino de mentes e mentalidades pequeninas, não foi isso que aconteceu. Estou de luto por mim, por ti, por tod@s nós que pertencemos à comunidade LGBTI.

Que o estigma que nós, mulheres trans temos, já muito tenho escrito aqui, mas nunca é demais vincar bem essa realidade. Que o estigma que persegue os casais homossexuais, apesar do casamento civil já ser legal e real, também sabemos que existe. E agora, ao vermos esta tristeza, esta vergonha de tentar retirar direitos básicos, direitos humanos a todo um espectro de gente, vemos bem que Portugal nunca saiu da cepa torta, e que os preconceitos e a discriminação é real e sempre será.

Esta minha reflexão não pretende ser mais nada do que isso. É um grito de revolta. É um estado de luto. É uma tristeza imensa por ver que o país onde nasci, cresci e vivo não merece uma grande maioria das pessoas que ainda aqui vivem. Sinto uma vergonha e um nojo imenso por esta "juventude" que se acha no direito de destruir a liberdade que os seus avós e os seus pais tanto lutaram para ter.
 
 

Eu, como mulher trans, não tenho o mesmo direito de conseguir um trabalho condigno com as minhas habilitações e experiência, apenas porque sou uma mulher trans. E as mulheres trans são todas putas, como já estou farta de ouvir. Se somos todas putas é porque não nos dão outra hipótese de conseguir sobreviver, pois não temos direito a um trabalho dito "normal". E vemos este preconceito estereotipado em todo o lado e por (quase) toda a gente. Já não chega o assédio e desrespeito diário, ainda somos todas rotuladas, discriminadas e postas de lado, como merda, como lixo. Por mim falo. As outras poderão falar por si, mas pelo que vejo e sei, a realidade é toda a mesma de norte a sul deste país, do litoral ao interior.

E, como se isto já não bastasse, continuamos a ser "os" em vez de "as". Estas mentalidades e esta gente nem sequer sabe utilizar os pronomes correctos quando se dirige a uma mulher trans. Se é mulher é "uma" é "a". Se é um homem trans é "um" é "o". E há muitas pessoas dentro do próprio conjunto das pessoas trans que joga na mesma pandilha, e que espalha o preconceito que acaba por ir contra elas próprias. Pelos vistos, ignorância e estupidez existe realmente em todo o lado, mesmo dentro desta minoria dentro das minorias.

Estou de luto igualmente por tantas famílias do mesmo sexo que por esse país fora foram e continuam a ser afectadas e prejudicadas porque não temos uma lei de adopção e co-adopção, que é um direito fundamental num dito "estado de direito". Tenho assistido a esta palhaçada, a esta nojeira que um "governo" e uma "maioria" muito supostamente democráticos têm vindo a representar na assembleia da república e nos diversos "discursos" de pessoas (não seres humanos) que se acham no direito de decidir o futuro e os direitos das pessoas que deveriam estar desde sempre consagrados em lei, não só na constituição. 

Estou de luto por mim, por ti, por nós. Tenho vergonha de ser portuguesa e, na falta de palavras, resta-me mandar isto tudo à merda, e agradecer por me terem morto em vida.

Obrigada a tod@s aquel@s que me têm lido. Se voltar a escrever, não será tão breve e, se o fizer, já não será aqui.

Obrigada e até sempre.