Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, maio 05, 2013

Amar e cuidar

Quando te olhas ao espelho vês o quê? Aquilo que realmente tu és, ou aquilo que tu gostavas de ser? Ou ainda uma imagem do que pensas que os outros vêem?
Eu, quando me olho ao espelho não vejo, em absoluto aquilo que os outros vêem. Vejo-me como algo de amorfo, diferente e igual todos os dias, moldado pelos humores, pelos amores, pelas vicissitudes, pela tristeza.



E cada vez mais se utiliza a palavra amor em vão. Amor serve para tudo, um bocado como a amizade de que já escrevi aqui. Tudo é amor e faz-se tudo pelo amor. Agora até se "faz o amor", como dizia o outro. Mas amor, amor, quem já sentiu? Ou será que todos nós já o sentimos? É um complemento indispensável à sensação de felicidade ou não? E tudo começa no amor por nós próprios.

Eu nunca tive grande amor-próprio. Nunca me amei o suficiente. Dediquei o amor que sentia pelos outros a cuidar deles, a ser para eles. Nunca a cuidar de mim ou a ser eu própria. Mesmo agora, passados tantos anos desde que me assumi como mulher transexual, continuo a viver desse amor que dou aos outros, não e nunca a mim. Não, não é uma questão de altruísmo. É uma questão de pura e simplesmente não me saber amar. E não me saber amar o suficiente.

Amei e amo de formas diferentes. Como todos nós em relação a cada um dos outros. Amo a minha mãe de uma forma, o meu pai de outra, e cada um dos poucos amigos de uma forma única e particular. Porque únicos e particulares somos todos nós. E quer eu queira quer não, eu também sou única e particular. E é essa a imagem que eu vejo no espelho. Desgastada, triste, infeliz, mas que ainda ama.

Infelizmente, nós não podemos nunca escolher como vamos nascer. Se assim ou assado, se com uma personalidade a ou b, se bonitos ou feios, se bons ou maus. Eu, se pudesse ter tido uma pequena hipótese de escolher como queria nascer, teria escolhido o oposto do que sou. Talvez assim a minha vida tivesse sido diferente, talvez eu me tivesse amado a mim própria desde sempre, talvez, talvez, talvez.

Mas não. Calhou-me nascer assim, numa forma com a qual não me identifico e com a qual as pessoas que amo lidam mal. Ou não lidam, ponto. No fundo, andamos (eu e os outros perto de mim), todos a fazer o papel que está tudo bem, mas não, não está tudo bem. Nunca esteve e parece que irá ficar sempre ainda pior.

Mas não deixo de os amar e cuidar deles. "Devias cuidar de ti", já me disseram várias vezes. Provavelmente devia. Mas a única forma de cuidar de mim, que eu sei, é cuidar de quem amo.


---> Fotografia de Inês Torres da Silva