Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sábado, agosto 09, 2014

As duas faces: reflexão sobre mim e os outros

Ultimamente, e entrando na silly season, há mais disponibilidade e mais abertura para a introspecção e para me aperceber daquilo que sou e do que me rodeia. Realmente as pessoas que me rodeiam não são o que parecem, tudo à minha volta foi mudando e nunca podemos tomar ninguém nem nada como garantido.

Quando comecei a minha transição, e até antes disso, muitas foram as pessoas que passaram pela minha vida, sendo que a esmagadora maioria dessas pessoas se afastou ou nunca sequer se aproximou muito. Reconstruir uma vida a partir do nada é muito complicado, e quando o ambiente que te rodeia não ajuda, muito antes pelo contrário, tens o peso desta mudança em dobro ou triplo.

O respeito das pessoas por ti é proporcional aos preconceitos dessas mesmas pessoas. Aquelas que realmente me conheciam e que tinham algum afecto por mim mantiveram-se a meu lado, independentemente de mais ou menos próximas. Mas a maioria que eu pensava que me conheciam e muitas por quem eu nutria grande afecto afastaram-se, desapareceram.

E isto custa muito. Quer o reconheçamos ou não, numa altura em que eu estava particularmente sensível e vulnerável, vi-me sozinha. É muito complicado lidar com isso quando o que mais precisamos é de apoio e uma mão amiga. Tive que lidar com isso, com a minha luta interior, e seguir em frente. Como sempre tive que fazer.



As pessoas não são o que parecem, nunca. Acho que ou estamos bem cientes disto, ou temos que passar a estar. As pessoas afastam-se ou aproximam-se de ti porque ganham alguma coisa com isso ou não. O interesse está sempre presente. Acredito que os sentimentos de uma ou outra pessoa até sejam legítimos e que o único interesse delas em mim sejas apenas eu. Mas estas são pérolas no meio de porcos. Se supostamente és alguém (whatever that means) aproximam-se de ti porque partem do princípio de que vão ganhar alguma coisa com isso. Se não és ninguém (isto não faz sentido para mim, mas assim é) afastam-se ou nem sequer se aproximam como se fosses uma leprosa.

De há uns tempos para cá, em que estou numa nova fase da minha vida, comecei a observar as pessoas à minha volta e a ver os afastamentos. Deve ser natural. Afinal quem quer estar ligado a uma mulher trans? O que é que os outros vão pensar? O que é que os outros vão dizer? Isto para não falar das pessoas que me falavam e que deixaram de me falar, assim, sem mais nem menos.

Comecei a pensar no que teria mudado. Eu mudei, como o mundo muda todos os dias, como tudo muda. Continuo a ser a mesma pessoa, mas a experiência de vida e o contacto com os outros faz-me ter outros olhos e ver as coisas por outros prismas. Será que foi isso? Não acredito. Acredito, isso sim, que as pessoas que têm tomado esse tipo de atitudes se aproximaram de mim com a ideia de ganhar alguma coisa com isso, o que não aconteceu. E elas revelaram-se como são. Tomaram-me como garantida e lixaram-se.

Sim, porque se alguém se aproxima de mim e eu simpatizo com a pessoa, deixo-a entrar no meu universo, obviamente só até certo ponto. Como eu não sou ninguém, elas não ganhariam nada continuando a dar-se comigo. Odeio cinismo e hipocrisias e quem fala comigo num dia e no dia seguinte deixa de falar, que vá à merda. Nunca mais se aproximará de mim, isso eu garanto.

Eu vivo e convivo diariamente com as minhas contradições, as minhas incongruências, as minhas inseguranças. Não admito que alguém que se acha alguém acima de mim me venha com merdas de julgamentos sobre o porquê disto ou daquilo, ou porque faço assim em vez de fazer assado. Eu sou mais eu e não penso pela cabeça de ninguém, nem ninguém me influencia para eu tomar atitudes que não quero. Acima de tudo, quero e exijo respeito. Deixaste de falar, nunca mais me fales. Eu não estou aqui para aturar telhas de pessoas que nada me são emocionalmente, pois as minhas ninguém atura. Ah, e um pormenor muito importante: nunca, mas nunca me toquem como garantida.