Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sexta-feira, maio 15, 2015

A solidão do ser(-se assim)

Quando, ao longo da tua vida, sentes-te só e tens a sensação nítida de que não tens com quem falar, alguém que te entenda, que te compreenda, e que parece que estás a falar numa língua alienígena qualquer, é simples a conclusão: és trans como eu.



A solidão de uma pessoa trans, uma mulher no meu caso, é algo que se mantém desde a mais tenra idade e percorre todas as etapas da tua vida. Atenção que não estou aqui a falar da experiência de vida de outros, apenas da minha. Há até quem não sinta essa solidão, nem essa necessidade de falar, de encontrar empatias, de desabafar.

Mas eu sempre precisei de me exorcizar de mim própria, pois esta sociedade putrefacta transfomou-me, desde cedo, numa pessoa tóxica, numa freak, num "aborto da natureza" como já várias vezes me chamaram. E eu sempre procurei na minha introspecção um escape a tudo isto. Só que depois da introspecção vem a parte da verbalização, e aí é que sempre surgiram problemas.

As pessoas, por mais próximas que estejam de ti, não querem saber, aliás, preferem não saber, não se conseguem empatizar com o que sentes, obviamente não conseguem meter-se na tua pele. Mas às vezes basta um ouvido amigo, alguém que lá está e que apenas te ouve, e que te entende, tu sabes que sim. Mas estes foram casos quase inexistentes na minha vida.

Tenho mais facilidade, neste momento, em falar para um público, uma audiência, do que para uma pessoa, por mais próxima que me esteja. Tenho mais facilidade em falar de mim e da minha vida íntima e privada para uma entrevista, do que com alguém que está interessado em me conhecer.

Estou farta de ser julgada, de ser humilhada e mal-interpretada. Cada cabeça sua sentença, e ninguém é obrigado a gostar ou dar-se comigo, como eu também não sou obrigada a gostar e a dar-me seja com quem for, o que já me prejudicou na vida. Sim, porque a hipocrisia e o cinismo abrem portas. Só que eu não estou à venda, obrigada.

Como perceberá quem quiser ver o vídeo da Lóbula colocado no final deste post, não tenho quaisquer problemas de falar de mim. Exorcizo-me, faz-me bem, e acima de tudo, pode ajudar outras pessoas trans que estarão a passar pelo mesmo. A palavra é uma arma, e é a única que eu tenho e uso. Não falo tonterias, nem por falar. Falo em consciência e plena de convicção de que há muita gente a sofrer horrores neste momento apenas por ser quem é. Vergonhoso.

Aqui fica então o segundo vídeo do Arquivo Queer da Lóbula, em que falo eu e a Eduarda Santos (somos ambas fundadoras do GTP - Grupo Transexual Portugal). Eu num tom mais intimista, a Eduarda num tom mais político. Enjoy.



quinta-feira, maio 07, 2015

A perda da inocência

As pessoas são sacanas, más e frias. Mais cedo ou mais tarde, qualquer um de nós se apercebe disso. A divina trindade dos nossos dias é poder-sexo-dinheiro. Através de qualquer um destes pólos facilmente se obtém o outro e isso é o que importa. Aquela teoria, muito discutida aliás, de se nós nascemos inerentemente bons ou maus, não faz sentido num mundo, em que qualquer que seja a cultura ou sociedade, só há desrespeito e violações permanentes daquilo a que chamamos "direitos humanos".



Fui muito ingénua e até naive durante a maior parte da minha vida. Via nos outros boas pessoas, que me compreendiam, que empatizavam comigo, etc. Até que surgiu o momento da minha transição e tive que começar a contar às pessoas mais próximas quem eu era, na realidade. E isto tudo em busca de apoio, carinho, compreensão. 

O que recebi em troca foram virares de cara, conversas de que eu "estava confusa", humilhações, ofensas. E isto da parte de quem me estava mais próximo. Da parte de pessoas que eu julgava conhecer e de quem eu gostava. Foi só aí, aos vinte e tal anos que comecei a aprender. A aprender que as pessoas não prestam, só pensam nelas e no que podem ganhar contigo, dando-se contigo.

Fiz o meu percurso de transição para a mulher que eu sou hoje, e vejo que pouco mudou. O cinismo e falsidade das pessoas mantém-se. O egoísmo e egocentrismo choca-me, na busca incessante que têm pelo seu próprio umbigo. Na minha opinião, ninguém nasce bonzinho e a querer ajudar e ser amigo dos outros. Nós somos animais e isto é uma enorme selva. Como tal, a maioria das pessoas usa tudo o que pode e não pode para atacar. Afinal, sempre se disse que a melhor defesa é o ataque, certo?

Pois. Mas eu nunca fui, nem vou por aí. Tenho a minha natureza, boa ou má, mas de respeito para com os outros, quer concorde ou não com eles, quer sejam bons ou maus. Não me faltem é ao respeito e nem me passem atestados de estupidez. Posso ser muita coisa, e já fui chamada (e continuo a ser) de muita coisa horrível por pessoas que, apesar de algum tipo de ligação, nunca me conheceram, mas mantenho a minha integridade e dignidade impolutas.

É triste perder a minha inocência e visão bela do mundo humano desta forma, mas, para sobreviver, fui obrigada da pior maneira a fazê-lo. Hoje em dia posso estar velha, fanada e feia. Mas isso não é relevante. O que é relevante é que fui obrigada a afastar-me da maioria das pessoas para manter a minha sanidade mental e emocional. O que interessa é que sou eu, ainda, e apesar dos pesares. E é isso, a minha essência como mulher, como ser humano, que os outros, sejam quem forem, têm que respeitar.

E termino esta reflexão com o célebre provérbio português, que o Mourinho "traduziu" para inglês:: "The dogs bark but the caravan passes" (Os cães ladram mas a caravana passa).