Lara's dreaming

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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sexta-feira, março 06, 2015

Balanços...

Depois de algum tempo para digerir e para ter um dia menos mau para os meus olhos, eis que me sinto preparada para um balanço do ano de 2014, sendo que esse balanço vem até agora, Março. Afectos, desafectos, fotos, escritas, desilusões e muita maldade fizeram parte do meu ano que passou. Coisas que permanecem até aos dias de hoje, por isso o meu 2014 é com continuação.

E agora que estamos tão próximos do Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, aproveito também aqui para festejar o facto de ser mulher e de me entristecer cada vez mais com as condições de vida miseráveis a todos os níveis, que a esmagadora maioria das mulheres tem. Vítimas de perseguição, assédio, violência doméstica e todo o tipo de discriminações, as mulheres - cisgénero e transgénero - continuam a levar as suas vidas, presas por um fio, num século XXI que em muito se assemelha a uma idade das trevas para as mulheres.

Foto, Make-Up e Cabelos: Pedro Miguel Silva, 2014

No meu ano passado conheci pessoas interessantes, aprofundei os meus conhecimentos com outras, mas o estigma de ser eu, de ser transexual continuou lá e continua. Tal como já escrevi várias vezes aqui, o preconceito não é palpável, não é imediato. O preconceito é uma coisa que leva à discriminação nas suas mais estranhas formas, seja tratarem-me no masculino, olharem para mim de outro modo, desprezarem-me ou deixarem de me falar. Basicamente, ninguém sabe lidar com uma mulher transexual como eu. Algumas pessoas ainda tentam fazer um esforço, mas aqueles disparates da "opção" e da "escolha" acabam por mostrar que elas nunca se livraram do preconceito e que eu, por mais que queira, nunca vou ser vista como outra mulher qualquer.

Houve muitos desafectos em 2014. Houve muita gente que se revelou mais reles e baixa do que eu alguma vez poderia imaginar, mais baixa ainda do que eu pensei que uma pessoa pudesse chegar. Fui muito maltratada e prejudicada a todos os níveis, mas aqui estou. Doente, mas viva por enquanto, e muito lúcida. Ódios antigos contra mim floresceram como fósforos numa fábrica de explosivos e passei mais de metade do ano debaixo de fogo. Sobrevivi, mas não esqueci. Se cá se fazem cá se pagam, há algumas criaturas que ainda vão ter muito que pagar.

Participei em duas marchas LGBT, uma em Coimbra, outra aqui em Lisboa. Aliás, foi a minha estreia em Coimbra. Participei numa exposição fotográfica composta por pessoas de todos os quadrantes LGBT, e posso dizer que a parte da exposição e das duas marchas foi a mais produtiva, divertida e boa do ano. Afinal, nem sempre tudo é negativo, mesmo que por detrás de um sorriso haja uma enorme tristeza.

Adormeci num dia e acordei no ano seguinte. Pronto, foi a passagem de ano. So what? Só mudei de dia, o resto continuou e continua cá todo. A doença que tenho nos olhos, a tristeza, e muita vontade de mandar tudo às urtigas e ir viver para um local remoto e longínquo. Que se desenganem aquelas que pensam que ser-se mulher e principalmente, mulher trans, é fácil, ou simples como estalar os dedos ou uma opção ou escolha. Não é nada destas coisas. É muito complexo para nós, muito deprimente e pesado, e a carga negativa social que tem ser-se uma mulher trans ainda faz com que soframos mais.

A discriminação não diminuiu. A discriminação não é velada. Sou mais discriminada agora do que há dez, cinco anos e as pessoas abertamente dizem-te as coisas mais abjectas (como tratar-te no masculino) e fazem-te mesmo sentir que não só não pertences aqui como não pertences a lado nenhum. No fundo eu, nós, só pertencemos aquele pequeno mundo que cada uma de nós construiu para si própria, nada mais. A transfobia é mais que muita e cada vez mais me convenço de que não há lugar para mim neste mundo. E aqui falo apenas por mim.

Obrigada a tod@s aquel@s que sempre me apoiaram e me mimaram e me ouviram, me leram. Apenas por ess@s ainda vale a pena estar aqui e escrever para vós. Um grande bem-hajam.