Despida
Começo este post por agradecer a três pessoas que, com a sua força, carinho, amizade e apoio, além do exemplo que sempre me deram, me fizeram voltar a escrever. Cristina, Anabela e Fabíola. A todas elas agradeço tantas lições do que é sobreviver, viver e sorrir, mesmo quando as lágrimas nos escorrem pelo rosto. Muito obrigada a todas.
Não vou escrever sobre ser mulher. Não se é mulher, aprende-se, como escreveu e afirmou Simone de Beauvoir. Eu aprendi a ser mulher, como todas nós. Sou mulher, feminista, activista e muito mais. Sou tudo isto, mas o que me define é o que sou para ti. Tu é que me defines enquanto aquilo que és para mim, com o que me ensinas, com o que me dizes, com o que me escreves. Eu sou um espelho de ti e tu reflectes-te em mim.
A minha família são aquelas pessoas que me amam, me aceitam e respeitam como sou, não aquelas que dizem que o são. Muito menos aquelas que trocam comigo o sangue que lhes corre nas veias. Essas são a suposta família legal e oficial. Mas não são a minha família. Apesar do cliché, a família de sangue não a escolhemos, a nossa verdadeira família, sim, somos nós que a escolhemos e vice-versa. Família, para mim, não são aqueles que se dizem ser e que nem sequer me conhecem, não estão sequer interessados, não me aceitam, nunca aceitaram, não me respeitam, nem nunca respeitaram. Esses não são a minha família. Na realidade, não me são nada.
Aqueles que me tocam de alguma forma, que me fazem sentir que vale a pena estar viva, esses sim, são a minha família. São afectos, são cores, são odores, são toques. É a festa da tua mão na minha, o riso quando eu digo um disparate, ou apenas porque sim. É o olhar e saber o que pensas. É o silêncio que se faz palavras. É estar e saber que estás ali. São tantas coisas e tudo tão simples. Tudo tão válido para eu ser quem sou. Este universo que partilho com algumas pessoas faz delas alguém para mim, e eu alguém para elas. Este é o meu universo onde a tua alma entra.
Aprendi a ser mulher com tanta coisa que passei, com o meu corpo em convulsões e a minha mente noutro mundo. Colhi aqui e ali pequenas coisas que juntei num complexo puzzle que sou eu. Muita gente passou pela minha vida. Muita já foi, outra tanta ficou. Mas se não fossem todas estas pessoas, eu nunca seria quem sou. Sem vergonha do que sou, a saber quem sou, a saber que sou um bocadinho de todas estas pessoas, da experiência delas, do universo delas, que me fez aprender a ser eu.
Ser-se assim é ser-se livre. Podem tentar fazer o que quiserem, que eu serei sempre eu. Humilhar-me, conspurcar-me, rebaixar-me. Mas na minha mente, na minha alma não entram. Porque essa é minha. Essa sou eu. E aí não entram.
Quando eu morrer, não morro. É este corpo que morre. Se a minha alma fica algures, se o meu espírito voa para outro lado não sei, não quero saber. Basta o meu amor ficar na memória de alguém, que eu não vou morrer. É apenas esta casca que se desvanece. O brilho do meu olhar ficará eterno no meio das estrelas. Eu sei que é assim. Por isso não tenho medo de morrer.
Aprendi a ser assim. Nasci sozinha e vou morrer sozinha. Mas o meu amor ficará cá. E é isso que me importa, que me dá alento, que me faz seguir em frente, mesmo quando me cortam a carne e me esmagam o coração. Com as lições que todas estas pessoas me deram sei andar. Já não gatinho. O que é o mais difícil neste mundo. Obrigada a toda a minha verdadeira família. Sem vocês nunca teria conseguido.
Sem vocês não tinha aprendido a ser a mulher que sou. Aquela que é fraca e forte. Sensível e bruta. Bonita e feia. Aquela dos opostos e compostos que vocês conhecem. Com este universo tão inconfundível e complexo que é, afinal, tão simples: é ser a Lara.
---> Fotografia: Inês Torres da Silva